leio-te… submerso

em vez de me estender na cama a ler idas e voltas pela lôbrega  capital
leio-te submerso
e
brutalmente lobotomizado  pelo pós guerra

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vivo numa cidade de eléctricos lentos e cortes de luz onde reinam sem competência os burocratas  de pistola à cinta e mediocridades perversamente intelectuais  que só chegam a alcançar alguma relevância  porque a primeira fila da inteligência foi eliminada

mitos e sementes

da mitologia greco-romana deméter & perséfone

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 havia mesmo

um labirinto que não era messiânico uma vez que esse labirinto estava vedado a qualquer espécie de salvador 

o labirinto era (diziam) a própria salvação 
daí se dissesse à boca-pequena que o melhor seria dizer
dizer tudo o que nos apetecesse no momento 
para justificar o labirinto 
uma vez que ele (o labirinto) era construído pelas palavras de quem dizia o que pensava

esse espaço encerrava mistérios relacionados com a sexualidade sagrada – era uma cidade onde se celebravam rituais em honra das deusas deméter e perséfone
para quem não saiba (ou esteja esquecido) deméter é a grande mãe do mito grego a responsável pela fertilidade da terra e da agricultura
e
deméter tinha uma filha – resultado da sua união com zeus
e
essa filha chamada perséfone era (ao que parece) muito interessante e cobiçada por outros divinos senhores
aqui entra hades em cena – porque hades era ou ainda é um dos tais divinos senhores
então hades o deus do mundo dos mortos apaixonado que estava pela moça 
resolve rapta-la 
e
num golpe de mago – o tal divino senhor – abre uma fenda na terra 
e
perséfone será simplesmente tragada

a jovem deusa viaja nas entranhas da terra 

é despejada no érebo
o érebo é – tão só – um outro labirinto nada messiânico onde os“iniciados da pedra” construíram a residência de hades (coisa mui semelhante aos infernos)

a deusa mãe
a grande deméter 
entrou como é lógico em alta paranóia e desespero
e
completamente despenteada procurou por todos os cantos do olimpo a filha (escusado será dizer que sem êxito)
a tristeza e o desespero da deusa foi tal que provocou um enorme eco – para além de elevado número de acidentes nas auto-estradas
então
nesse momento preciso 
surge uma enorme onda em forma de grande seca 

como é óbvio 
fome
nada brotava da terra 

a humanidade precipitava-se para a morte (precisamente. há situações que se repetem)

é nessa altura que o deus sol (mais conhecido por hélios) – o deus que tudo vê
informa deméter que hades havia raptado perséfone
deméter foi então no seu tapete voador a casa de zeus pedir que este obrigasse hades a devolver a filha – foi o que aconteceu mas
há sempre um mas nestas coisas

quando hades trouxe perséfone 
já esta havia comido uma romã (símbolo, segundo os mais ilustres e entendidos semióticos, do submundo) – daí se infere que a menina-deusa já desposara hades e tinha de acarretar com as obrigações que o casamento impunha na época

tal situação faz com que 
aqui
haja uma pausa na narrativa para que os deuses discutam entre dois copos de tinto servidos pelo jovem ganimedes que na altura já tinha sido raptado por zeus e sido nomeado copeiro-mor dos deuses
ganimedes serviu ainda chás de mandrágoras e outras iguarias para deleite dos deuses presentes

depois da pausa chegou-se ao acordo que segue
1. durante 9 meses perséfone ficaria com a mãe 
2. nos restantes 3 meses voltaria ao érebo para acompanhar o marido nos muitos afazeres – lá na residência dos mortos
é desta forma que surge o inverno – os 3 meses em que a terra perde sua força – a estação que retrata a enorme tristeza de deméter (por estar afastada de sua filha, claro está)

o mito inscrito no labirinto com uma caligrafia mágica e mística – o mito de deméter e perséfone simboliza no entender do escriba 
o drama que é o ciclo da vida
perséfone é a semente que a terra traga (terra que é, também, mãe. a que fertiliza. mas a terra é também
a sepultura da semente – na medida em que morre no momento em que o rebento irrompe)
a vida surge do útero da mãe
de dentro da terra 
“comemora-se” a tragédia – encena-se já o rito da morte e da ressurreição

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da semente depositada na sua “sepultura” surge a vida 

de uma só semente podem surgir milhares de outras sementes 
e
as sementes foram ofertadas pelos deuses aos homens – para que cultivassem os campos

os deuses ofertaram as sementes 
logo as sementes são do homem

os deuses revelaram-nos este mistério no labirinto que não é de todo messiânico
o mistério da multiplicação 
o mistério da vida
o mistério do sacrifício da semente – que se entrega à “mãe terra” num rito anual 

ao longo dos séculos

e
o culto da semente é também (como lógico) um culto à sexualidade

nota: estes mistérios e cultos não eram estranhos ao povo egípcio, que o dedicavam à deusa ísis. foram também praticados noutras religiões iniciáticas. com o domínio do cristianismo a sexualidade passa a não ter espaço – é um acto pecaminoso. hoje o ritual da “terra mãe” (rito consciente ou inconsciente por parte do homem que afaga a terra) está em perigo. outros interesses se erguem – (querem mesmo castrar as sementes?) – texto publicado em simultâneo em um comboio na nudez dos carris