manuel de almeida e sousa, segundo consta no cartório do registo civil, nasceu (mesmo) em 1947 na vila de cascais – distrito de lisboa. e mais consta que é português.
a vida tem-lhe sorrido por vezes e, nas vezes que não, lá se aguentou com arrobas de chatices às costas.
iniciou-se na aprendizagem das primeiras letras na escola primária de cascais e concluiu a velha 4ª classe na escola de tavira (ali ao lado da estação dos comboios que vão para lisboa). os liceus (que foram bué…) abriram-lhe as portas em faro mas… tiveram um percurso confuso: – loureço marques (hoje maputo), luanda, oeiras…. só muito depois, o regime de então o mandou de “férias” para bissau (guiné).
frequentou imensos cafés e outros espaços de boa vida, escrevinhou para jornais e trabalhou como designer gráfico em diários e revistas deste rectângulo luso, esteve quase disposto a estudar para professor – no magistério primário e arquitectura – nas belas artes. mas desistiu com a rapidez de um voo de águia e… pousou na escola superior de teatro. tem papel comprovado dos seus estudos dramáticos. pois, pois…
… precisamente!
a vida é mesmo uma bela peça de teatro.
o desejo de viajar de bicicleta…
de bicicleta
e
ingerir um chá de mandrágora como quem beija.
– …?
– é um estar – aqui e agora – e esse estar é o meu. não me preocupo. só isso. vivo cada momento como meu e o meu momento, passa por um fazer de coisas sem qualquer rótulo em mente.
é arte?
é poesia?
é espectáculo?
quem sabe…!?
que os outros rotulem, à vontade, a ver se me chateio…
estarei sempre ao lado. descansem os fazedores de opinião que não os contradirei. nunca. faço as coisas. faço coisas e… só isso.
só
e
simplesmente isso.
– teatro….
essa coisa a que alguns ainda teimam em chamar teatro, é uma das que faço com o prazer de quem cria. é coisa que aposto de bom grado pelo facto de que encontro aí – mais do que em qualquer outra área – o espaço onde o colectivo não só é possível, como desejável – por absolutamente necessário.
e juntamo-nos num grande ritual onde todos somos sacerdotes e magos.
a hierarquia é derrubada porque não pode – nunca – haver hierarquia. porque neste cerimonial somos todos eus.
– ah… mas encenas?
o pôr em cena é um (mais um) olhar da coisa ou sobre a coisa. uma visão. é um cerimonial igual aos demais – como qualquer outro que os restantes sacerdotes/magos emprestam ao projecto. um olhar mais… tão só isso. e esse cerimonial é tão importante quanto os outros. navegamos uma religião única. praticamos um rito iniciático muito especial – demasiado próximo do kaos. fernando arrabal e jodorovsky tinham e têm razão quando falam do teatro pânico.
o pânico e o kaos são águas onde nadamos com prazer. interessa-nos. interessa-me. poderemos acrescentar ainda a crueldade tão aclamada por esse visionário do drama – o senhor antonin artaud.
– utopias…?
a utopia existe?… a utopia de hoje não é mais que a realidade de um amanhã… ao elevar-se nos céus, o deus sol acorda um novo dia. e cada dia é diferente dos outros todos. a grande deusa mãe-terra é testemunha disso. e as tábuas do palco sussurram-nos o conhecimento
e
o conhecimento é a única autoridade que respeitamos. mas o conhecimento não é autoridade, porque não se impõe. o conhecimento alcança-se.
– leonor verdura…!?
uma outra etapa do percurso. uma outra viagem das muitas em que nos aventurámos. somos cinco viajantes dentro e fora do espaço da representação e… cada um contribuiu com o seu conhecimento e com a sua vontade de viajar por entre os poetas ditos experimentais.
pesquisámos – todos. actuam – o bruno vilão e a íris santos. as sonoridade são do – ricardo mestre. o vídeo – do bruno corte real. a encenação – minha… a mandrágora empresta o nome ao projecto.
os poetas escolhidos são os poetas escolhidos. não mais que isso. escolhemos estes. e é a estes que damos corpo em palco, porque sim. porque foi o nosso critério… são os que são, porque achámos que sim. e a viagem teve o seu início e terá o seu fim – estes rituais são sempre efémeros. porque o teatro é efémero. só pode ser. e quem não o viu… não o verá.
precisamente por isso.
– e há um livro… “eu, tu e o comboio”…?!
há. há um livro com 5 peças teatrais que deu à luz uma editora do brasil. é verdade. são cartas teatrais. mui teatrais… cada peça é uma carta para os amigos. é com esse espírito que escrevinho. não escrevo para parir livros. escrevo por prazer. escrevo porque sim.
então disseram-me que podia… que podia compilar coisas em forma de livro. confesso que me surpreendeu o convite. não estava nem aí. é. é verdade.
então juntei as coisas teatrais que tinha. as que ganharam corpo em palco (espectáculos de mandrágora) e outras que estavam, como sói dizer-se, na gaveta. dei-me a esse trabalho e… lá saiu o “eu, tu e o comboio” em são paulo. no brasil…
“eu, tu e o comboio” é o nome do livro e “eu, tu e o comboio” é, também, o nome da primeira peça desse livro. cento e tal páginas… espantei-me por ser capaz dessa aventura. mas “curti” abrir a encomenda e vê-lo (ao livro).
não. não se vende por cá, quem o queira… que o mande vir do outro lado do atlântico.
editora de cá a reproduzir a coisa…? não. não me parece. mas também não estou preocupado, nem muito nem pouco.
conversa conduzida por alba damião